NOVAS CENAS URBANAS
INTERATIVO / PARTICIPATIVO
De acordo com Fábio F. Lima, cujo texto¹ também foi contemplado no eixo “espaço virtual”, dentro da complexidade e da poética do ciberespaço, é possível proporcionar aprendizados através da sensibilidade do corpo interagindo com esse novo mundo virtual.

Esses espaços se tornam imprevisíveis e incomuns, já que o artista/arquiteto tem a possibilidade de criar um modelo inicial e, este ser interativamente modificado por seus usuários e resultar em uma construção coletiva. Quanto maior for o grau de manipulação permitido, cada vez mais expandirá seus limites poéticos. E para ele, restaurar a poesia significa: “ampliar a complexidade, fomentar a atividade na criação de sensações e estados de espírito de caráter estético carregada de vivência pessoal e profunda, que possam dar outras perspectivas da experiência de vivenciar o espaço arquitetônico.” ¹
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Uma das inquietações que surge nas pessoas é o grau de realidade que esse tipo de espacialidade nos permite. A imersão é um estado mental que ocorre quando temos a experiência de estar presente em um ambiente representado, não é de natureza propriamente física, mas também não é ilusória ou imaginária, acontece em um nível mental, pois nossa mente se desloca nessa imersão. É uma experiência onde os expectadores se sentem presentes em um espaço pictórico, como por exemplo: os óculos de realidade aumentada.

Nessa perspectiva complexa e mutável, além do desejo inevitável de explorar o ciberespaço, são também desenvolvidas novas problematizações acerca de suas reais e potenciais propriedades. Fábio F. Lima levanta questionamentos: “De que modo pode-se, com tantos recursos oferecidos pela máquina, desenvolver processos cujas linguagens estejam mais absortas para explorarem novas regiões nunca percorridas e, desse modo, proporcionar experiências intensas para se sondar um novo espaço? Além disso, mesmo partindo das operações lógicas oferecidas pela máquina, como operar processos investigativos de linguagem, cujo traço poético ofereça diferentes reflexões para a arquitetura?”. ¹
Me detenho agora a usar os questionamentos levantados por Fábio F. Lima para pensar não só a arquitetura – como objeto construído – mas os espaços urbanos. Como essas novas tecnologias, que servem como suporte para experienciarmos o espaço virtual, podem ter uma utilização benéfica no meio urbano? Elas são capazes, por meio da criação de ambientes interativos, imersivos e artísticos, de transformar cenas urbanas com uma partilha policial do sensível para uma partilha política do sensível (assunto exposto no eixo “arte política”)?
Em meio a essas indagações, veio-me mais uma questão importante a ser explorada: considerando a arte que se utiliza de suportes tecnológicos, seria o mesmo dizer que ela é interativa ou participativa? São capazes de gerar as mesmas reações individualmente e coletivamente? Busquei, então, referências de autoras que contemplassem essas questões como forma de entender e embasar minha crítica sobre o assunto.
A professora e crítica da arte Claire Bishop, em seu livro “Participation”², faz um compilado de textos que, de acordo com ela, extrapolam a experiência individual do espectador com a arte interativa de uma instalação para uma dimensão social da participação. Por enquanto me atentei somente a introdução do livro, em que ela já começa informando ao leitor que, a partir dos anos 60, as práticas artísticas passaram a se apropriar de formas sociais para trazer a arte para o dia a dia das pessoas por meio da ativação, múltipla autoria e senso de comunidade. Temos, como alguns exemplos dados por ela: Hélio Oiticica, Adrian Piper, Tom Marioni, Martha Rosler, Gordon Matta-Clark, Christo e Jeanne-Claude.
Em livre tradução feita por mim, Claire Bishop escreve: “O envolvimento físico era considerado um precursor essencial para a mudança social, criava uma consciência, um pensar e contemplar. (...) Walter Benjamin dizia, em 1934, que a arte deveria intervir ativamente e promover um modelo que permitisse que os observadores estivessem envolvidos no processo de produção dessa arte. Ela seria melhor quanto mais os observadores se tornassem produtores. (...) O gesto de ceder o controle da autoria é mais democrático do que criar um trabalho de um único artista, assume um risco e uma imprevisibilidade. Assim produzem um modelo social mais positivo e não hierárquico.” ²
Outra autora interessante é a professora da USP, Giselle Beiguelman, cuja tese ³ contempla um capítulo chamado “Da cidade interativa a cidade participativa”. Tratando da cidade como interface, afirma que a presença de dados no cotidiano interfere na paisagem urbana. Essa presença se reflete em ocupação de fachadas com LED, no mobiliário urbano e em funcionalidades voltadas para a segurança como sensores e câmeras automáticas.

Giselle traz como exemplo a fachada interativa do WZ hotel, em São Paulo, fruto de uma reforma feito pelo Estúdio Guto Requena. Por meio de luzes em sua fachada, as cores se alteravam para indicar o nível de poluição do ar na cidade e também permitia que, utilizando um aplicativo, as pessoas mudassem a cor de sua fachada. Em 2015, durante manifestações pedindo o impeachment da presidente Dilma Rousseff, a fachada icônica foi tomada por uma disputa de luzes com as cores vermelho e azul entre os partidos que tentavam ocupá-la.

Dentre outros exemplos, a professora acredita que são indicadores de uma nova perspectiva de ação urbana que vem se consolidando: repensar a relação das tecnologias com a cidade e a apropriação da arquitetura como interface e plataforma de ação nesse ambiente rico em dados.
“Se ao longo dos anos 1990, os especialistas discutiam como se apropriar das redes para tornar a cidade mais interativa, hoje, com a capilarização da tecnologia no tecido social, a aposta é em como utilizá-las para interferir no cotidiano das cidades e torna-las mais participativas. Afinal, a questão central não é mais como dar acesso à interatividade ou a tecnologia em si, mas em como potencializar o uso crítico e criativo da tecnologia, haja vista que diferentes políticas de incentivo ao consumo permitiram uma enorme inclusão tecnológica do ponto de vista material. (...) Mas é de fato a partir dos anos 2000 que se torna mais frequente o uso da arquitetura como plataforma e interface de projetos de artemídia em diversas cidades, como a fachada digital do Media Lab Prado, em operação desde 2010 em Madrid, a Galeria de Arte Digital Sesi-SP, que transforma o icônico edifício da Flesp, em São Paulo, em espaço curatorial desde 2013, e o edifício do Ars Electronica Center, em Linz, na Áustria, palco do projeto Connecting Cities, em 2015.” ³
As duas autoras entram em concordância de que a arte e a tecnologia devem proporcionar ambientes não mais interativos e sim participativos, pois somente assim é possível potencializar seu uso crítico e colaborativo, no qual os observadores estariam envolvidos no processo de produção dessa arte. Enquanto Claire Bishop parece referir a participação em relação a arte, Giselle Beiguelman parece se referir mais a tecnologia que carrega dados pela cidade. Mas e a arte contemporânea que utiliza esses suportes tecnológicos nos espaços urbanos? Já chegou ao nível participativo? As pessoas de fato têm o poder de modificar e serem co-autoras desse tipo de intervenção urbana gerando espaços de partilha política? Ou essa suposta liberdade participativa ainda é controlada e ilusória?
Guy Debord, cofundador do movimento situacionista, já criticava o “espetáculo” capitalista pois criava uma relação entre as pessoas mediada por imagens e assim, era pacificadora e divisiva, nos unindo somente através da nossa separação e falta de comunicação, não cria uma consciência crítica. Como saber então se na verdade não estamos fazendo parte desse sistema do espetáculo controlador?


Um século depois, seria possível dizer que a arte, por meio de novos suportes tecnológicos, chegou a um outro patamar acima do cinema? A criação de novas percepções do mundo, que não se contenta apenas com a tela que o cinema nos proporciona, mas sim com novos meios tecnológicos, gerando, consequentemente, outros tipos de signos e condutas. Estas constroem um novo espaço do visível, do dizível e do factível de uma forma diferente da que o cinema fazia no século passado e ainda faz no presente. Até que ponto essas ações tecnológicas realmente nos permitem participar e são capazes de gerar rompimentos, desidentificações e subjetivações políticas?
Walter Benjamin (1892-1940), no auge da explosão do cinema no século XX, considerava este a expressão máxima da mediação tecnológica entre a arte e o indivíduo. Para ele, o cinema propõe uma alteração na percepção individual do mundo por meio da mediação de suas lentes. Essa consciência óptica que o cinema oferece seria capaz de construir nosso imaginário sobre o mundo.

Um bom contraponto a essa desconfiança, encontramos no eixo “arte política” e na própria introdução de Claire Bishop, os quais lidam com questões levantadas pelo filósofo Jacques Rancière sobre o espectador emancipado e a partilha do sensível.

“Considerando espectadores que são ativos como intérpretes, Ranciere quer dizer que a política da participação deve estar baseada não em estágios anti-espetacular da comunidade ou no conceito de que mera atividade física corresponderia a emancipação, mas em colocar para trabalhar a ideia de que somos igualmente capazes de inventar nossas próprias traduções." ²

Esse princípio não dividiria a audiência entre ativa e passiva, capaz ou incapaz, mas sim nos convidaria para apropriar trabalhos para nós mesmos e fazer uso deles de forma que seus autores talvez nunca tenham pensado ser possível.” ²

Não poderia concordar mais com os pontos levantados por Rancière, entretanto, a dúvida que ainda fica é: até aonde nosso poder de apropriação não é limitado pelos novos suportes tecnológicos de modo que seus autores realmente não tenham mais controle sobre suas obras e se permitam a imprevisibilidade?
1- LIMA, Fábio. F. A poética arquitetônica no espaço virtual. Revista Estética e Semiótica, [S. l.], v. 2, n. 2, p. 27–39, 2012. DOI: 10.18830/issn2238-362X.v2.n2.2012.03.Disponível em: https://periodicos.unb.br/index.php/esteticaesemiotica/
article/view/11857. Acesso em: 19 Maio. 2021.

2- Bishop, Claire. Participation. London: Whitechapel, 2006. Tradução própria.

3- BEIGUELMAN, Giselle. Da cidade interativa às memórias corrompidas: arte, design e patrimônio histórico na cultura urbana contemporânea. 2016. Tese (Livre Docência em Linguagem e Poéticas Visuais) - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2016. doi:10.11606/T.16.2016.tde-09112016-145703. Acesso em: Junho. 2021.


O ESPETÁCULO
DA CIDADE INTERATIVA A CIDADE PARTICIPATIVA
"PARTICIPATION"
POTÊNCIAS E PROPRIEDADES
Muitos questionamentos surgiram no âmbito de entender quais são as diferenças entre a arte, que a partir de suportes tecnológicos, geram espaços interativos ou participativos. Trago para esse eixo o início da minha busca por essas respostas e as questões que foram surgindo ao ler diversos autores. As pessoas de fato têm o poder de modificar e serem co-autoras desse tipo de intervenção urbana gerando espaços de partilha política? Ou essa suposta liberdade participativa ainda é controlada e ilusória?